A Defensora Pública aposentada associada da ADPEP Nádia Maria Bentes, que coordenou durante anos o Núcleo de Atendimento Especializado da Criança e do Adolescente (NAECA) da Defensoria Pública do Estado do Pará, ensejou mais uma vez críticas à PEC 33/12, que visa à redução da maioridade penal. Ela classificou a PEC como uma falácia que, se for integrada ao ordenamento jurídico brasileiro, vai apenas agravar a situação do sistema socioeducativo, visto que a Constituição Federal de 1988, ao consagrar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos com respeito à sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, utilizou critérios biológicos e psicológicos de compreensão e entendimento dos seus atos.
No entendimento da Defensora, a redução não resolve o problema do agenciamento de menores para a prática de crimes. “Se os nossos legisladores continuarem achando que a solução é reduzir a maioridade penal, a idade vai ter que ser reduzida cada vez mais até a infância, pois a criminalidade também vai reduzir cada vez mais a faixa etária dos menores agenciados para a prática dos crimes. Se reduzir para 16 anos, os criminosos vão recrutar os de 15. Se diminuir pra 15, eles vão angariar os de 14 para trabalhar para a criminalidade”, explica.
Nádia acredita que a solução é investimento em políticas públicas. “O nosso grande problema é que as leis são elaboradas, mas não há o aporte orçamentário para a implementação delas. Ou seja, discute-se política sem dinheiro, o que é coisa incompatível”, avalia.
“O endurecimento da lei não melhora a sociedade, não diminui a criminalidade. Isso é tão fato, que o maior sistema carcerário do mundo é o dos Estados Unidos, onde a lei é extremamente rigorosa. Aqui, no Brasil, se não investirmos em educação e saúde, a nossa sociedade não vai melhorar”, pondera.
Até o trabalho de ressocialização de adolescentes e jovens fica prejudicado no Brasil por conta da grande desigualdade social e pela falta de políticas públicas. Segundo Nádia Bentes, é impossível ressocializar um adolescente que, fora do presídio, vive uma realidade dura, com seus pais sem emprego, sem alimentação correta em casa, sem educação de qualidade e sem direito à moradia, tendo como alternativa a criminalidade. “É um problema extremamente complexo, que teria que passar por um repensar político, social, familiar de todos nós. Deveria haver investimento do Estado na saúde, educação, no direito à alimentação e à moradia das pessoas que estão abaixo da linha da miséria”, considera.
“O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINSE) está em vigor, mas ainda é uma lei que não está efetivamente dentro dos padrões de ressocialização. Se estivesse, não haveria sempre um aumento de ato infracional”, avalia.
Um caso fruto da desigualdade social que marcou a vida da Defensora Pública Nádia em seus muitos anos de atuação no sistema socioeducativo foi o de um garoto que pediu para continuar no cárcere porque não tinha comida em casa. “A comida da qual eles reclamavam tanto lá dentro, por ser de má qualidade, era a única alternativa de refeição para aquele garoto e ele queria continuar lá para poder comer”, recorda.
“O garoto era do Ver-o-Peso, envolvido com drogas, e queria trocar a sua liberdade por um prato de comida. Isso me deixou muito chocada. Situações como essa revelam o quanto o nosso país é desigual, rico, mas cheio de miséria. É por isso que a minha militância pelos direitos humanos continua, independente da minha aposentadoria”, diz.
Ainda citando seus anos de experiência como Defensora Pública para justificar a necessidade de políticas públicas, Nádia Bentes afirma que não viu sequer um adolescente de classe média dentro das unidades de internação e sim apenas adolescentes pobres. “Muitas vezes o direito está lá para repreender, para responsabilizar, e não para dar um tratamento na perspectiva dos direitos humanos, respeitando a condição da pessoa em desenvolvimento”, diz.
“As estatísticas mostram o aumento de jovens de 18 a 24 anos no sistema penal. Isso é reflexo da falência do sistema socioeducativo, da ausência de politicas púbicas para que os adolescentes saiam de lá totalmente reintegrados na escola, na família e na sociedade”, finaliza Nádia Bentes.