“Crianças passarem a estudar em escolas e salas especiais é um retrocesso”, avalia o Defensor Público Alexandre Bastos, representante paraense na Comissão Nacional da Pessoa com Deficiência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP). O especialista associado da ADPEP explica que, após anos de luta para garantia da inclusão das pessoas com deficiência na escola regular, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto publicado do dia 1º de outubro tornando pública a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) que incentiva a segregação desses estudantes em escolas especiais. A ANADEP está envolvida nos debates sobre o assunto em Brasília (DF) e emitiu uma nota técnica sobre o decreto.
Uma recomendação aprovada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos é destinada à revogação do Decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020. O documento é criticado por todos os especialistas da área. “Contraria a Constituição, a Convenção Internacional do Direito das Pessoas com Deficiência, o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Também viola o princípio da vedação ao retrocesso”, explica Alexandre Bastos, que pai de uma criança com T21 – síndrome de down.
Segundo Alexandre, as escolas especiais representam uma segregação. A nova medida dificulta a inclusão das pessoas com deficiência e retira delas o direito de conviver junto a outras crianças, transferindo essa decisão aos pais. “O ECA diz que é obrigação dos pais matricularem seus filhos na escola regular. Ou seja, esse decreto é questionável porque diz o oposto, fala que é uma escolha do pai e da mãe direcionar para a escola regular ou a especial. Não é direito do pai escolher o futuro da criança com deficiência. É, primeiro, um direito da criança com deficiência estudar na escola regular junto com todas as outras crianças, é um direito personalíssimo da criança, portanto intransferível”, explica.
“Eu cito o exemplo de um amigo meu com deficiência visual, que é servidor do TJE, e passou em primeiro lugar no mestrado concorrendo com várias pessoas sem deficiência”, compara o Defensor.
Segundo o Defensor, é ilegal uma escola regular recusar vaga a uma criança com deficiência. “Isso é crime! Pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência de 2015, é punível de 2 a 5 anos. A escola não pode recusar a matrícula dessas pessoas”, esclarece Alexandre Bastos.
O Defensor informa que no Pará aumentou a inclusão de pessoas com deficiência na escola regular. Com o novo decreto, vai se deixar de investir na adaptação da escola regular para receber esses estudantes e se passar a investir na escola especial. “O recurso vai ser destinado para outra finalidade e isso vai desestimular gestores e professores a investirem na estruturação das escolas para receber a pessoa com deficiência”, diz. “A Convenção Internacional, que tem status de emenda, também garante, em seu artigo 24, que a educação regular de ensino deve ser aprimorada”, informa.
Segundo o CNDH, a nova política pretende substituir a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, sem deliberação do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e sem diálogo com os conhecimentos científicos produzidos na área, nem com profissionais da educação pública e privada ou com os movimentos sociais de pessoas com deficiência.
GAETS
Nesta terça-feira (20) o Grupo de Atuação Estratégica das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital nos Tribunais Superiores (GAETS) pediu o ingresso como amicus curiae no processo em tramitação no Supremo Tribunal Federal que trata da chamada “Política Nacional de Educação Especial.
Amicus curiae, ou “amigo da corte”, é alguém que, mesmo não sendo parte no processo, pode nele intervir para ampliar o debate sobre o assunto, auxiliando o Tribunal em suas decisões. O processo em questão é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 751, em que se contesta o Decreto Federal nº 10.502/20 – que instituiu esta política nacional de educação especial.
Pelo pedido elaborado pelo GAETS, o decreto, em linhas gerais, “viola diretamente a garantia de acesso ao sistema inclusivo em todos os níveis e ao aprendizado ao longo de toda vida para as pessoas com deficiência”.