Defensor Público Bruno Braga fala sobre consequências da flexibilização da posse de armas

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Como primeira medida de impacto de seu mandato, Jair Bolsonaro (PSL) assinou nesta terça-feira (15) decreto para permitir a posse de arma de fogo às pessoas sem ficha criminal no país. Entretanto, o Defensor Público Bruno Braga Cavalcante, especialista em Direito Público, lotado no Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Pará, defende que o armamentismo pessoal como solução é ineficaz e só aumenta a violência. O decreto de Bolsonaro contempla apenas a posse de arma, não o porte, que é o direito de andar armado em qualquer lugar, mas esta semana ele afirmou que, no futuro, seu governo irá flexibilizar também o porte de arma.

Assista, no Vídeo abaixo, a entrevista que o Defensor Bruno Braga concedeu para a TV Liberal:

Se cumprir os requisitos (veja regras mais abaixo) o brasileiro poderá ter até quatro armas, limite que pode ser ultrapassado em casos específicos. O decreto também prevê que o prazo de validade do registro da arma, hoje de cinco anos, passará para dez anos.  O texto permite aos cidadãos residentes em área urbana ou rural fazer o pedido à Polícia Federal para manter arma de fogo em casa. O direito à posse é a autorização para mantê-la em casa ou no local de trabalho (desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento). Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas e não foram tratadas no decreto. O texto assinado por Bolsonaro modifica um decreto de 2004, que regulamenta o Estatuto do Desarmamento.

O professor doutor de Criminalística do Instituto de Pós-Graduação e Graduação (IPOG) e da Universidade de São Paulo (USP) Jesus Antonio Velho diz que as pessoas precisam ter a liberdade de escolha, entretanto alerta que escolher ter uma arma é uma responsabilidade enorme. “É preciso garantir que haja mecanismos adequados para avaliar se a pessoa que pretende adquirir uma arma tem realmente condições para arcar com tal responsabilidade”, avalia o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ciências Forenses.

Segundo Jesus, estudos encontraram efeitos positivos da Lei do desarmamento sobre a redução de homicídios causados por armas de fogo no Brasil, o que sugere a importância de sua manutenção. Estatísticas também mostram que o número de homicídios com armas de fogo no país cresceu mais de 500% nas últimas décadas e o IPEA revela que de 1995 a 2003 (antes do Estatuto do Desarmamento) a taxa de homicídios cresceu 21%. De 2003 a 2013, com um maior controle na emissão do porte de armas, os índices estabilizaram.

Bruno Braga cita uma pesquisa Datafolha que mostra que 61% dos brasileiros são contra a liberação da posse e 68% contrários a afrouxar as regras hoje existentes. “A vítima será mais cobiçada se o autor de crimes suspeitar que, além de dinheiro e celular, poderá subtrair armas de grande valor no mercado ilegal, e aumentará o risco de o agente atirar na vitima pelo receio desta reagir estando armada”, explica.

O Defensor Público alerta ainda para o risco de tragédias pelo acesso acidental de crianças e pessoas com transtornos psíquicos às armas, bem como mortes relacionadas a motivos fúteis como discussão entre amigos e vizinhos ou no trânsito. “Transferir para o cidadão a responsabilidade pela sua defesa, armando-o, é política que não entrega o que promete”, avalia.

Políticas públicas são apontadas como solução

Bruno Braga diz que muita gente já se fechou em condomínios e blindou seus carros, mas isso não adiantou, portanto, armar a população não resolverá o problema, só causará mais tragédias. “Cobremos políticas públicas eficientes que avancem no controle da circulação de armas/munição, no investimento em inteligência policial/pericial no país e nas fronteiras contra o crime organizado, evitando o desvio de armas do próprio Estado”, ensina.

Professor Jesus também indica o investimento em políticas públicas. “Podem dificultar que as armas caiam em mãos erradas políticas públicas como: criação de um controle  de registro, com renovação anual, como acontece com os carros; avaliação periódica dos antecedentes criminais e perfil psicológico dos portadores de arma; e estimulação à entrega voluntária de armas em postos de coletas policiais”, aponta.

Flexibilização favorece o mercado bélico

Segundo Bruno Braga, o discurso de flexibilizar a posse e o porte de armas é importar uma cultura armamentista norte-americana. “Como a segurança pública não encontra soluções rápidas para reduzir os índices de crimes violentos, apela-se para esse tipo de medida que pode se revelar desastrosa”, avalia. Na opinião de Jesus Antonio Velho, a liberação ou flexibilização do processo de aquisição de uma arma favorecerá a comercialização e dará mais lucro às empresas do setor.

Jesus revela números dos lucros do mercado de armas e esclarece que, nos EUA, a indústria armamentista vive um crescimento ocasionado devido à escalada de conflitos no mundo e também pela política de Donald Trump. “De acordo com dados do Departamento de Estado, responsável por aprovar relatórios favoráveis ou contrários à aprovação desse tipo de negociação, os EUA fecharam o último ano fiscal, que vai de outubro de 2016 a setembro de 2017, com US$ 41,9 bilhões em vendas”, informa.

 

Políticas públicas apontadas pelo Defensor Público como alternativas à flexibilização da posse de armas 
1- Controle da circulação de armas/munição 2- Investimento em inteligência policial/pericial no país 3- Policiamento nas fronteiras contra o crime organizado, evitando o desvio de armas do próprio Estado

 

 

Regras do decreto

Pelas novas regras, ficam estabelecidos os seguintes critérios para que o cidadão comprove “efetiva necessidade” de possuir arma em casa:

  • Ser agente público (ativo ou inativo) de categorias como: agentes de segurança, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agentes penitenciários, funcionários do sistema socioeducativo e trabalhadores de polícia administrativa;
  • Ser militar (ativo ou inativo);
  • Residir em área rural;
  • Residir em área urbana de estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, segundo dados de 2016 apresentados no Atlas da Violência 2018 (todos os estados e o Distrito Federal se encaixam nesse critério);
  • Ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais;
  • Ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.

Além disso, as pessoas que quiserem ter arma em casa precisarão obedecer a seguinte exigência:

  • Comprovar existência de cofre ou local seguro para armazenamento, em casas nas quais morem crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental;

Não terá direito à posse a pessoa que:

  • Tiver vínculo comprovado com organizações criminosas;
  • Mentir na declaração de efetiva necessidade;
  • Agir como ‘pessoa interposta’ de alguém que não preenche os requisitos para ter posse.

Regras que estão mantidas

O novo decreto mantém inalteradas exigências que já vigoravam sobre posse de armas, como:

  • Obrigatoriedade de cursos para manejar a arma;
  • Ter ao menos 25 anos;
  • Ter ocupação lícita;
  • Não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal;
  • Não ter antecedentes criminais nas justiças Federal, Estadual (incluindo juizados), Militar e Eleitoral.